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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Desenvolvimento do comportamento

Existe a dicotomia entre o comportamento inato e o aprendido?
A tendência do pensamento de que o comportamento dos animais tem duas naturezas opostas: uma natureza instintiva, determinada geneticamente sendo afetada por fatores hereditários e outra aprendida, determinada pelos fatores ambientais tem cria um viés conceitual equivocado. Historicamente herdamos essa maneira de pensar dualisticamente. O pensamento antropocêntrico influenciou fortemente os filósofos e naturalistas a assumirem a idéia de que somente o ser humano possuía a capacidade da razão e de cognição e que os demais animais eram irracionais (inclusive a mulher e as crianças!). Além do pensamento antropocêntrico, a idéia criacionista passou a ser questionada pelo pensamento evolucionista graças a Charles Darwin e Wallace, autores independentes da Teoria sobre a origem e a evolução das espécies.
Os primeiros etólogos, naturalistas com visão do pensamento evolucionista descreveram a ocorrência de comportamentos que não dependiam de nenhuma experiência prévia ou aprendizagem e os denominaram de comportamento inato ou instintivo. Muitos traduziram esta definição como sendo impulso, criando-se muitas interpretações equivocadas. Esses etológos mostraram que certos comportamentos complexos e estereotipados constituem padrões fixos de ação (PFA) porque todos os indivíduos da espécie o manifestam desde que estímulos específicos sejam apresentados (estímulos sinais). Os PFA envolvem um conjunto de vários eventos motores ordenados no tempo e no espaço. Um bom exemplo é o ato de bicar do filhote: ao visualizar a mancha vermelha no bico dos pais, esses regurgitam o alimento do papo. A mancha vermelha nesse caso constitui o estimulo sinal. Um PFA análogo é o recém-nascido filhote de mamífero succionar o mamilo e obter o precioso alimento, tão logo esse seja colocado em contato na região peri-oral.
 Há um outro grupo de respostas motoras (somáticas e viscerais) causados por estímulos sensoriais específicos porem deflagram eventos mais simples e estereotipados: são os reflexos. O ato de se coçar é causado por um algum estimulo irritante sobre a pele, assim como, o ato de piscar os olhos quando há uma estimulação mecânica na córnea. Em ambos os casos as respostas motoras conferem vantagem biológica (proteção a estímulos irritantes) e independem de qualquer experiência prévia. A diferença do reflexo em relação ao PFA está na expressão motora e na organização dos circuitos neurais correspondentes (veja o Capitulo 2 para mais detalhes).
Enquanto os naturalistas estavam mais preocupados com os PFA e as suas causas naturais os psicólogos deram ênfase a um outro aspecto do comportamento dos animais: os processos relacionados ao modo de aprender dos animais: memória e aprendizagem, assim como, com os distúrbios do comportamento humano. Junto com os fisiologistas, eles contribuíram com a identificação de vários níveis de aprendizagem.
A capacidade de aprender permite ao indivíduo, aperfeiçoar o desempenho de um determinado comportamento, adquirir novos hábitos, repetir os comportamentos que lhe tragam vantagens e evitar os que causam desconforto (dor). Em outras palavras, confere vantagens biológicas ao nível do individuo. A aprendizagem requer processos complexos de armazenamento de informação e sua recuperação, ou seja, plasticidade do sistema nervoso.
Um exemplo interessante de aprendizagem é o imprinting (estampagem) em que um jovem animal aprende precocemente sobre como deverá ser a imagem do futuro parceiro sexual, geralmente tendo como referência, os pais. Se os recém-eclodidos gansinhos tiverem contato visual pela primeira vez com um ser humano, essa imagem será estampada em seu cérebro e será seguido como sendo os pais. Ao atingir a maturidade sexual, os machos farão corte de acasalamento ao ser humano, e não a uma fêmea da própria espécie.
Essa descoberta mostra claramente que os filhotes de gansos (precociais) nascem com a capacidade de estampar a imagem do adulto, os seus futuros cuidadores. Tão logo ocorra o processo, os filhotes seguem os pais para qualquer lugar recebendo proteção e alimentação. Na curta janela de tempo em a estampagem ou a aprendizagem ocorre, uma imagem inesperada e equivocada pode mudar todo o curso de processamento neural e de expressão do comportamento como observamos nas clássicas figuras sobre Lorenz, um dos fundadores da Etologia que os descreveu e popularizou.
Aprendizagem é a modificação do comportamento baseado na experiência; processo em que o individuo se ajusta, discretamente, ao ambiente resultando em mudanças funcionais (não genéticas). Essa capacidade de ajustes depende inteiramente da integridade funcional do sistema nervoso, é continua mas é mais intensa durante a fase de desenvolvimento.
Vejamos as diferentes categorias de aprendizagem conforme apresentadas a seguir:
a) Estampagem: Uma forma de memorizar estímulos-chaves numa fase especifica do desenvolvimento ontogenético e que serão utilizadas pelo indivíduo no futuro próximo.
b) Condicionamento Clássico ou Pavloviano: aprendizagem através da associação de estímulos não condicionados (primário) e condicionados (secundário). Salivação: comportamento (natureza visceral) Alimento: estímulo primário Som, luz, etc.: estímulos que sozinhos não evocam o comportamento. Os mamíferos estão sujeitos ao reflexo de salivação causado pela presença de alimento na boca (estimulo primário). Quando ocorre associação entre o alimento e a identidade visual, um cão faminto salivará só de avistar o alimento. Suponha que junto com a oferta de alimento seja apresentado um estímulo inócuo como o som de uma campainha. Com o tempo, a apresentação do som sem o alimento desencadeará a resposta de salivação. O animal estabeleceu uma associação do som com o alimento e, como conseqüência, dizemos que a salivação ficou condicionada a um estímulo secundário.
b) Condicionamento Operante: aprendizagem através da associação entre o comportamento e a sua conseqüência. Estimulo/motivação: fome Pressionar alavanca: comportamento (atividade somática) Conseqüência : obtenção de alimento. O rato faminto procura alimento e ao pressionar acidentalmente a alavanca fornece o alimento. Nesse caso, há um outro tipo de associação: a relação do ato (apertar a alavanca) com o acesso ao alimento (uma recompensa, saciar a fome). Se ao invés de um reforço, o animal sofrer um estímulo doloroso, ou seja, uma "punição", o rato poderá ser condicionado a evitar o comportamento de apertar a alavanca. Em ambos os casos, a conseqüência da resposta é o que determinará o que ele fará em seguida.
Tanto o condicionamento clássico como operante são manifestações de comportamentos aprendidos em ambientes muito artificiais suscitando muitas críticas.
c) Discriminação Espacial: capacidade dos animais reconhecerem e discriminarem a organização espacial. Os animais precisam se lembrar de pontos de referências básicos como onde se localiza a fonte de alimento, reconhecer o ambiente domiciliar, o território, depósitos de alimento, etc. A vespa após ter cavado um buraco, sai para coletar presas para a sua prole. Antes de deixar o ninho, sobrevoa a área por alguns segundos. Caso alguns objetos tenham sido mudados de lugar após ela ter deixado o local, ela procura os elementos familiares para a identificação da entrada do ninho.
e) Aprendizagem por associação de eventos
Um Chimpanzé “inventou” uma solução para alcançar o cacho de bananas preso no teto, usando ferramentas. O uso de ferramentas é amplamente distribuído entre aves e mamíferos, principalmente entre os primatas.
d) Aprendizagem por observação Muitas espécies de animais aprendem imitando outros indivíduos do grupo. Tais processos de aprendizagem ocorrem comumente entre os primatas que estudaremos mais tarde. Devemos ter em mente que o comportamento de um animal resulta da interação entre processos herdados geneticamente e os incorporados através da aprendizagem. Grupos de indivíduos reúnem peculiaridades e nos permitem reconhecê-los como pertencentes a uma determinada espécie biológica.
Um dos indicadores de que o coletivo dos indivíduos pertence à mesma espécie é o fato de compartilharem uma unidade genética ou seja, a uma "receita genética" que os tornam distintas de outras espécies. Esta "receita" prevê, nos animais metazoários, um sistema nervoso que capacita o indivíduo de realizar vários níveis de análise do ambiente, processar as informações e regular uma série de atividades, independentemente de qualquer experiência prévia. Ainda que o plano de organização funcional do sistema nervoso de dois indivíduos da mesma espécie, seja imposto pela "receita genética", as experiências que cada um tem seu ambiente ao longo de suas respectivas vidas condicionam padrões de comportamentos bastante diferentes.
Assim, é possível admitir diferenças individuais de comportamento devidas às experiências distintas de cada um. Cada um de nós alimentamo-nos para atender as demandas nutricionais diárias mas como procuramos o alimento, o que e como comemos varia amplamente entre as pessoas em função da experiência de cada um.
A quantidade e a qualidade dos processos de memória e aprendizagem dependem do plano de organização do sistema nervoso de cada espécie: umas foram projetadas com maior flexibilidade a serem mais abertas às influências do meio e outras menos em função das respectivas histórias evolutivas. Nas palavras de Alcock: "O comportamento inato não é puramente determinado pelas causas genéticas e o comportamento aprendido não é puramente determinado por fatores ambientais". O comportamento inato difere do aprendido não pela quantidade de determinismo genético ou ambiental, mas pelo grau com que um comportamento se manifesta na sua plenitude pela primeira vez quando um estímulo sinal é apresentado.
Pode um comportamento inato ser modificado pela aprendizagem?
Na Austrália há uma espécie de orquídea que produz uma substância volátil, semelhante ao feromônio exalado pela fêmea Vespa polinizadora de orquídea enganada por falsos feromônios femininos. Quando anuncia a sua receptividade sexual. O macho que procura uma fêmea é atraído equivocadamente pela orquídea. Além do feromônio, a orquídea possui uma pétala modificada que imita o abdômen de uma fêmea sem asas. O macho então tenta copular com a estrutura mimética e ao agarrar a pétala, esta se dobra e lança o macho contra o saco polinizador da flor. Ao tentar se livrar carrega consigo o pólen pegajoso. Um novo engano e, ao invés de fertilizar uma parceira sexual, será o veiculo de fertilização de uma outra espécie. O estímulo sinal mimetizado pela planta é tão eficiente que o PFA para a cópula acaba sendo deflagrado e o macho "enganado". Entretanto, os machos aprendem ou se habituam rapidamente com esta falsa sinalização e passam a ignorar as flores.
A habilidade para realizar ajustes retroativos em função da conseqüência do comportamento exibido inata é amplamente distribuída no reino animal e ocorre precocemente na vida do animal. Assim, o comportamento não é fixo e rígido, mas flexível: uma resposta originalmente inata pode ser regulada por processos de aprendizagem.
Por outro lado algumas formas de aprendizado devem ser necessariamente rígidas. Na estampagem uma forma de aprendizagem "pré-programada" deve ocorrer em etapas críticas do desenvolvimento ontogenético cuja lembrança será essencial para o reconhecimento do parceiro sexual natural. A estampagem também ocorre em mamíferos. Esta habilidade diferenciada para o reconhecimento de indivíduos aparentados ou mais precisamente, geneticamente relacionados, é denominada de discriminação de parentes. Este fenômeno é observado em várias espécies entre eles, o esquilo de chão e girinos. A convivência de indivíduos não aparentados durante a fase precoce do desenvolvimento, permitirá futuramente maior tolerância mútua do que entre indivíduos não familiares.
De qualquer maneira, os animais possuem habilidades para aprender a discriminar parentes e indivíduos familiares. O significado destas relações será estudado mais tarde.
Desenvolvimento comportamental
Vimos até a presente que o repertório comportamental pode variar de uma resposta inata simples a comportamentos complexos que é modificada pelos processos de aprendizagem. Agora vamos analisar o valor adaptativo dos comportamentos inatos e aprendidos. Um comportamento pré-programado é vantajoso quando os animais são jovens. Um bom exemplo é o mecanismo de bicar a pinta vermelha no bico dos pais em gaivotas, tão logo jovens nasçam. Ou ainda, quando uma presa se depara com um predador, como no caso da exposição dos pares de ocelos pela mariposa ao ser tocada.
Não é surpresa que a maioria dos animais apresente respostas inatas contra a predação quando confrontados com inimigos letais. Uma espécie de ave tropical, "motmot" que caça pequenos lagartos e serpentes não requer experiência para evitar as cobras corais altamente venenosas. As aves são atraídas por qualquer objeto que se pareça com serpente, menos aqueles objetos que tem anéis vermelhos alternados com amarelos.
O rato de laboratório, um consumidor generalista, possui uma ampla capacidade de discriminação gustativa e ele identifica apenas como itens palatáveis alimentos com os quais teve contato durante a infância, sendo um verdadeiro xenófobo. Se o rato tiver uma experiência desagradável com um determinado item, e sobreviver, passará a esquivar-se de todos os itens com cheiro e paladar semelhantes (generalização). O aprendizado permite ao indivíduo ao longo da vida, realizar ajustes permanentes num ambiente extremamente variável e não previsível. Os ecologistas acreditam que um conjunto particular de problemas ecológicos para diferentes espécies favoreceu diferentes graus de flexibilidade do repertório comportamental e o resultado teria sido a evolução de uma ampla diversidade aos mecanismos comportamentais.
As mudanças que ocorrem em um indivíduo em desenvolvimento podem ser decorrentes da simples maturação do organismo, ao invés de modificações causadas pela experiência. Em outras palavras, durante a ontogênese, o repertório comportamental pode não se modificar somente em função da prática e do aprendizado, mas também, devido às mudanças que o organismo está sofrendo em função do seu crescimento.
Pensemos sobre o comportamento de deambulação do ser humano: no começo o bebê recémnascido ainda não é capaz de suportar o seu próprio peso corporal, muito menos locomover-se sozinho. Com o tempo, será capaz de firmar a cabeça e focalizar o olhar. Mais tarde, engatinhará, sustentar-se-á em pé sozinho e apoiado, dará os primeiros passos. Finalmente, iniciará a locomoção bípede.
 As transformações envolvem processos de maturação neural e músculo-esqueletica combinados com a aprendizagem motora. A mielinização de fibras nervosas (maturação), soma-se a experiência ou a prática do exercício motor (aprendizagem) para que se desenvolva adequadamente o repertório de deambulação da espécie humana.
Quando Lorenz procurava compreender os mecanismos da estampagem em patos e gansos, ele testou vários estímulos: seres humanos, imitações de indivíduos adultos, etc. Evidentemente, em condições naturais, a tendência de os filhotes encontrarem outras imagens que não fossem os dos pais é praticamente nula. Em outras palavras não foi “previsto” possibilidades de fraudes como as que os experimentadores provocam artificialmente... E os pais? Devem possuir mecanismos de reconhecer os seus próprios filhotes?

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