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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Capítulo 4 - Corte

4.1 Funçoes da corte
As informações essenciais, transmitidas na corte, são o sexo e a espécie do executante e a posição dele ou dela, porque os parceiros devem entrar em contato para o acasalamento e antes disso têm que descobrir um ao outro. Os sinais transmitidos na corte geralmente são tão específicos que representam uma barreira para o cruzamento entre espécies podendo constituir, assim parte do processo de especiação. A linguagem dos sinais é compreensível apenas por um membro da mesma espécie do transmissor. Por isso os sinais são altamente elaborados e mostram grande variedade, diferindo em detalhes sutis. Os padrões de corte das varias espécies de Drosophila, por exemplo, apresentam elementos comuns, mas a ordem dos mesmos, bem como a velocidade e freqüência com que são executados diferem de tal modo que cada padrão se torna peculiar a uma espécie.
Muitos animais passam grande parte do tempo evitando contato com outros membros da sua espécie, qualquer que seja seu sexo, mas às vésperas do acasalamento a situação é invertida, o contato com outros membros da espécie é então essencial. A corte propriamente dita envolve frequentemente a superação da relutância de um ou ambos os parceiros em inverter sua tendência ao retraimento na presença do outro. Esse processo não só favorece a escolha de um parceiro adequado, mas permite que entre diversos tipos de animais se formem casais que podem durar toda uma estação ou até muitos anos, dependendo da espécie. Isto ajuda a garantir a cooperação no cuidado com a prole.
Em geral, a prontidão para responder a sinais de corte ou para executá-los, depende de fatores externos, especialmente do nível hormonal. Assim, uma fêmea que receba sinais de um macho não responde necessariamente aos mesmos. O comportamento de corte serve para sincronizar a maturação sexual de um casal de animais e garante, em ultima análise, que o esperma e os óvulos sejam liberados ao mesmo tempo. Durante a corte, alguns animais, incluindo as aves da família dos tetrazes, agrupam-se em reuniões conhecidas como “leks”.
Os machos competem pelas melhores posições nesses grupos e só conseguem a atenção das fêmeas quando as atingem. Nesta, como em outras formas de comportamento territorial, os sinais de corte tanto atraem as fêmeas como repelem machos competidores. Território e corte estão intimamente inter-relacionados, mas o comportamento territorial é geralmente mais acentuado nos vertebrados do que nos invertebrados. Tomaremos agora, exemplos de grupos selecionados de organismos para ilustrar a natureza e função dos sinais usados na corte e no comportamento territorial.
4.2 Artrópodos
Uma fêmea Drosophila, fechada com um macho em uma caixinha de uns 2,5 cm de diâmetro por 0,6 cm de profundidade, executará toda a serie de ações que constituem a sua corte. Isto se nota melhor a partir do terceiro dia após o nascimento, pois antes disso a fêmea é relativamente pouco receptiva, sua receptividade atinge um Maximo após 4 dias e meio mais ou menos, quando começa a declinar lentamente até o décimo dia. Os detalhes das atividades componentes do padrão comportamental podem ser observados em um microscópio estereoscópico  de baixa capacidade. Os principais elementos da corte estão presentes na maioria das espécies e, certamente, na D. melanogaster. O macho aproxima-se da fêmea e toca seu corpo com os tarsos anteriores, girando para o lado dela, de modo a ficar de frente para esse lado. A seguir, o macho abre a fecha suas asas movimentando-as em um plano horizontal. Durante este comportamento produz zumbidos ritmados que apenas um microfone muito sensível pode captar. O som é captado pelas antenas da fêmea e os intervalos entre os zumbidos são uma característica da espécie. Ao mesmo tempo em que se orienta em direção à fêmea e vibra suas asas, o macho lambe periodicamente com sua probóscide a ponta do abdome da fêmea. Isto é geralmente seguido por uma tentativa de cópula, na qual o macho monta a fêmea por trás. Se não estiver receptiva, ela o derrubará ou fará qualquer outro movimento evasivo.
Na Drosophila, os sinais visuais são relativamente pouco importantes e, em muitas espécies, a corte ocorre no escuro. Em muitas borboletas o vôo inicial de abordagem do macho é guiado por estímulos visuais. O macho da borboleta real, Danaus gilippus, persegue a fêmea no vôo, ultrapassa-a e a pulveriza com odores originários de dois órgãos semelhantes a pincéis (de fios finos) localizados na extremidade do abdome. Uma fêmea receptiva pousa e continua um ritual que culmina no acasalamentp. O odor age como afrodisíaco. Em muitas mariposas noturnas, a sequência completa da corte, incluindo a atração inicial do macho, pode ser respondida por um odor atrativo da fêmea (isto é, um ferormônio sexual).
Os sinais visuais são altamente desenvolvidos nos caranguejos de briga, Uca, comuns nos alagadiços de áreas tropicais e subtropicais. Os machos são muito territoriais e vivem em tocas. Uma das pinças é bastante exagerada no macho e tem geralmente coloração muito viva.parado perto da entrada da toca o macho agita essa pinça para cima e para baixo, e este gesto parece ter a dupla função de atrair as fêmeas e repelir outros machos. Entre diferentes espécies que habitam uma mesma área, a trajetória e a velocidade do movimento da pinça variam muito e são características especificas de cada espécie. À noite e em certas outras circunstancias, os machos produzem ruídos retumbantes batendo suas pinças ou patas no solo: esses ruídos parecem cumprir exatamente as mesmas funções da agitação da pinça.
Os sinais acústicos são de grande importância na corte de muitos insetos, incluindo a Drosophila, mencionada anteriormente. Pernilongos machos são atraídos até as fêmeas pela tonalidade do ruído que elas produzem ao voar. Eles captam esse ruído com o auxilio de suas delicadas antenas cobertas com espirais de pêlos. Machos sexualmente motivados tentarão copular com um diapasão vibrando na freqüência certa, e consta até que um tipo de transformador elétrico cujo zumbido atraia milhares de pernilongos precisou ser colocado fora de ação. Grilos, gafanhotos e cigarras apresentam um canto de chamada, que os machos executam incessantemente por longos períodos. As paquinhas européias, que vivem em tocas com formato semelhante à boca de uma corneta, usam a toca como instrumento para transmitir o canto. Grilos campestres, que estridulam movendo as coberturas das asas, apresentam vários tipos de canto. O canto de chamado atrai a fêmea e é substituído pelo canto de corte, mais suave, quando é feito contato com uma fêmea receptiva. Um estridente canto de rivalidade é produzido quando, ao invés da fêmea, aproxima-se um macho.
4.3 O esgana-gata de três espinhos
Se dois peixes esgana-gatas machos são colocados em um mesmo aquário na primavera, cada um começa a cavar seu ninho no fundo arenoso, pegando areia com a boca e depois nadando a uma curta distancia para cuspi-la. Nos buracos que cavaram, cada um coloca algas filamentosas que colheu. Os fios são grudados com secreção renal, expelida quando o peixe esfrega a parte inferior do abdome e a cloaca no ninho. A seguir, o peixe perfura a massa, formando um ninho tubular. Desse momento em diante cada macho define seu território atacando o outro quando invade sua fronteira invisível.
O dono do território atacará um peixe invasor avançando sobre ele com a boca aberta e as espinhas dorsais eretas. O aparecimento deste comportamento, entretanto, depende muito do lugar onde está o peixe. Em seu próprio território ele atacará, mas fora dele raramente ou nunca o faz. Isto pode ser demonstrado apanhando-se dois donos de dois territórios contíguos e colocando-se cada um em um tubo de ensaio com água. Quando os dois tubos, mantidos lado a lado, são colocados no território do peixe A, este, em seu tubo, assume a postura de ataque enquanto B não eriça os espinhos dorsais nem executa as demais atividades. No território de B acontece o inverso. O ataque raramente chega às vias de fato, mas se o invasor não fugir, o dono assumirá sua postura de ameaça. Coloca-se verticalmente na água, com a cabeça para baixo. Volta-se, de modo a ficar com o flanco dirigido ao invasor e eriça o espinho ventral desse lado, em direção ao outro. O peixe ataca e ameaça desta maneira até o seu próprio reflexo em um pequeno espelho fixado no fundo arenoso do aquário. Na primavera, os esgana-gatas entram em condição de corte, o macho adquire uma coloração vermelha na parte de baixo enquanto a fêmea se distingue mais pelo abdome volumoso, dilatado pelos ovos e não pela coloração, aliás pouco atrativa. Até num aquário pode-se observar a corte. O macho permanece perto do seu ninho até que uma fêmea nade nas proximidades e, ao vê-la, executa a chamada “dança em ziguezague”, nadando em curtas avançadas em curva, ao redor da fêmea. Se estiver receptiva, a fêmea curva a cabeça e a cauda para cima. A este sinal o macho nada para baixo, em direção à entrada do ninho (“guia”); a fêmea segue-o (“seguimento”). Na entrada do ninho o macho aponta a abertura com a cabeça (“indicação”) e a fêmea passa por ele deslocando-o e nada para dentro do ninho, ficando com a cabeça e a cauda fora dele. O macho então empurra persistentemente o flanco da cauda; a este sinal a fêmea Poe os ovos no ninho e, a seguir, afasta-se nadando. Imediatamente o macho nada para o ninho e fertiliza os ovos, e então inicia o cuidado parental dos ovos, pois a fêmea não mais participa da criação da prole. Aqui, temos uma serie seqüencial de sinais, cada um evocando do parceiro o próximo segmento do comportamento que culmina na fertilização dos ovos.
4.4 Pássaros
Embora a corte dos pássaros use sinais visuais, os sinais sonoros constituem um importante elemento dela. Grande parte do vocabulário de canto específico de um pássaro destina-se a atrair uma fêmea ou a repelir machos rivais. Em muitas espécies de pássaros, o território é estabelecido por um macho isolado que abandona o bando de inverno e começa a defender uma área, ameaçando outros machos, frequentemente por meio de um canto de advertência que ele executa em um posto de canto situado em seu território.
Os territórios variam muito em tamanho e uso. Muitos pássaros marinhos, que fazem ninho em meio a grandes aglomerações, defendem apenas uma pequena área em redor de seu ninho: toda busca de alimento é feita em outros lugares. Outros pássaros mantêm um território ao qual confinam suas atividades de alimentação e procriação, enquanto outros ainda têm territórios destinados apenas para corte e acasalamento. Exemplos disso são os “leks”, que ocorrem não somente em pássaros, mas também em insetos como os zigópteros, e em alguns ungulados. Finalmente, alguns pássaros e outros animais que se alojam comunitariamente, defenderão seu alojamento como um território. Muitos animais não se limitam a seus territórios, mas atravessam regularmente uma faixa doméstica (não defendida) de limites mais amplos. Dentro do próprio território podem passar mais tempo em uma área central restrita. Raramente as fronteiras territoriais permanecem imutáveis por muito tempo e há bastante evidencia de que o comportamento territorial tem uma função de regulação das densidades populacionais. A extensão dos territórios frequentemente está relacionada à disponibilidade de recursos alimentares; assim, em alguns pássaros, expandem-se durante a época da procriação, quando há bocas extras a serem alimentadas, e restringem-se durante o inverno. Se a densidade populacional aumenta, os territórios individuais se contraem, como se fossem superfícies elásticas comprimidas em um plano. Entretanto, há um ponto além do qual não se restringem, isto é, os donos de território não se rendem e alguns indivíduos eventualmente excluídos passam a constituir uma população flutuante que não procria (o que também acontece nas espécies que se reúnem em locais especiais para o acasalamento, chamados “leks”).
Com alguma prática de observação é relativamente fácil distinguir o comportamento agressivo e o de corte, na maioria dos pássaros comuns. Nos animais, em geral, um individuo que parece estar engajado em agressão ou ameaça (comportamento agonista) adota uma postura que é mais ou menos a antítese da exibida por um individuo submisso. Nos pássaros isso envolve frequentemente uma postura com a cabeça ereta e as asas um pouco afastadas do corpo. Nas posturas submissas, os pássaros frequentemente reduzem seu tamanho aparente encolhendo o corpo e a cabeça e eriçando as penas do pescoço de tal forma que os corpos parecem mais arredondados. Uma gaivota L. argentatus agressiva assume uma postura ereta, com o bico poderoso ligeiramente abaixado, apontado para o adversário. A postura de ameaça frontal é bem desenvolvida na gaivota de cabeça preta, cujo bico é emoldurado pela máscara negra da cabeça. Um comportamento facilmente observado nas gaivotas, em telhados, é a postura obliqua, executada juntamente com um longo chamado feito com o bico aberto. É uma manifestação de ameaça, mas serve também para o macho indicar a localização do ninho a parceiras em perspectivas.
O comportamento de corte do melro macho envolve uma postura claramente diferente da de ameaça; a cabeça é estirada para diante com o bico aberto e as penas do rabo abertas. Em um galho ou no chão este pássaro inclina-se para cima e para baixo diante da fêmea. Quando a fêmea já tem outro parceiro, ataca o macho. Uma vez constituído o casal, a fêmea aceita a cópula, após a corte. Fica com as pernas estendidas e com o bico e a cauda apontados para cima; suas penas ficam alisadas e ela emite um chamado suave que só pode ser ouvido de perto.
Um prelúdio necessário para a corte das gaivotas é o comportamento de apaziguar, que reduz as tendências agressivas entre a ave próxima a seu ninho e o parceiro, que é, ao mesmo tempo, um invasor do pequeno território. Nas gaivotas de cabeça preta esse apaziguamento assume a forma de uma cerimônia de desvio do olhar, na qual as duas aves se alinham paralelamente e voltam as cabeças para os lados opostos, afastando a visão do parceiro o bico ameaçador. Exibições de apaziguamento como essa são comuns entre as gaivotas.
 Algumas aves, como as aves-do-paraiso, por exemplo, são notórias pela riqueza de seu colorido e de seu comportamento. Outro exemplo são os pássaros de abrigo, cujos machos constroem abrigos de gravetos e outros materiais e escolhem objetos de cor viva – flores, sementes, etc – para formar um tapete à entrada do abrigo. Este também é um comportamento de corte.
Ás vezes é possível determinar os estágios da evolução provável dos comportamentos de corte comparando-se espécies estreitamente aparentadas. A respeito das aves aquáticas, por exemplo, supõe-se que vários movimentos, como beber, alisar as penas, alçar vôo em fuga (atividades mais freqüentes em situações conflitivas, como pode ser a de corte), tenham sido selecionados e transformados em rituais, formando assim a exibição de corte. Desse modo, aqueles movimentos perderam as funções originais e seus mecanismos neurofisiológicos ficaram evidentemente ligados ao novo comportamento. Esse processo chama-se emancipação. Um exemplo simples são os movimentos de alisar as asas com o bico, passando pelo pato europeu que percorre as penas das asas com o bico, passando pelo pato bravo cujo bico expõe uma pena de azul vivo na asa, culminando no marreco mandarim que simplesmente aponta com o bico uma longa pena de asa, de viva cor alaranjada. Na ritualização, a intensidade dos movimentos tendem a aumentar e a padronizar-se. As exibições ritualizadas tendem a se repetirem ritmicamente, com velocidade e freqüência diversas das que tinham no padrão comportamental original. Geralmente estão associadas com as características corporais mais aparatosas. São aspectos que garantem uma sinalização clara e não ambígua.

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