1.1 O que é comportamento?
Chamamos comportamento àquilo que percebemos das reações de um animal ao ambiente que o cerca e que são, por sua vez, influenciadas por fatores internos variáveis. Essas reações geralmente envolvem movimentos. Por exemplo, uma larva de varejeira afasta-se da luz e os pássaros levantam as asas e arrepiam as penas em exibição que compõem seu repertorio comportamental. Algumas vezes as reações podem ser pouco obvias. Uma siba na iminência de atacar sua presa ruboriza-se com faixas coloridas que se movimentam ao longo de seu corpo. Essa alteração de cor é produzida pela atividade coordenada de vários tipos de cromatóforos da pele, que é uma resposta não menos comportamental que os movimentos de corte da mesma siba. Os cromatóforos são efetores, como os músculos que movimentam os membros.
O estudo do comportamento começa com observações dos movimentos, postura e outros aspectos de um animal. Frequentemente, parece que um animal não esta fazendo nada, mesmo que seu ambiente mude. Isto pode acontecer porque ele não consegue perceber as mudanças, mas é igualmente possível que sua resposta às mudanças seja ficar parado. Se um lebiste é colocado em um aquário novo, geralmente vai o mais rápido possível para o fundo e “congela-se”, ficando bastante imóvel mesmo frente a grandes alterações. Isto faz parte do comportamento que leva a evitar os predadores. Uma borboleta do gênero Nymphalis pode ficar por longos períodos em um muro ao sol com suas asas estendidas. Na verdade, ela esta ganhando calor neste processo; a posição das asas em relação aos raios solares é muito importante e pode variar sutilmente conforme o corpo se aquece. Via de regra, apenas através da observação atenta e repetida de um animal em situações naturais é que se torna possível reconhecer comportamentos como esse e começar a ver como se relacionam com os estímulos ambientais.
Há cinco questões importantes que podemos propor sobre o comportamento. Qual a sua causa? Qual a sua função? Como se desenvolve o padrão comportamental? Como evoluiu? Quanto pode modificar-se no decorrer da vida do individuo? Muitas dessas perguntas são as mesmas que se poderiam propor a respeito de uma característica morfológica e há muitos paralelos entre a evolução das características estruturais e das comportamentais. Muitos padrões comportamentais, como as características morfológicas, são muito resistentes a alterações por fatores ambientais (isto é, por aquilo que os animais experimentam), mas é interessante notar que a experiência do animal pode resultar em mudança radical de certos tipos de comportamento em determinadas circunstancias – processo conhecido como aprendizagem. Todo comportamento, entretanto, depende de fatores ambientais de um tipo ou de outro.
1.2 O Registro de Comportamento
O primeiro objetivo no estudo do comportamento de um determinado animal é registrar minuciosamente seu comportamento, correlacionando-o com estímulos que evocam seus diferentes componentes. Um tal catalogo completo do comportamento é denominado etograma. É de vital importância que tal etograma seja registrado muito imparcialmente. O observador não deve ser influenciado pela sua própria avaliação do que esta ocorrendo, mas deve preocupar-se em registrar tudo, mesmo o que parece pouco importante no momento do registro. Até mesmo pormenores das condições climáticas podem mais tarde revelar-se necessários para analisar as causas do comportamento. Deve-se estar precavido para evitar o antropomorfismo (atribuição de motivos humanos aos animais), embora seja frequentemente uma maneira pratica de taquigrafar. O estudo do comportamento animal só conseguiu se impor como uma ciência objetiva quando termos como “desejo”, “propósito”, “decidem” e outros que sugerem explicações em termos da atividade mental humana, não foram mais levados em consideração. O relato deve ser um registro simples, a partir do qual possam ser formuladas hipóteses simples que não considerem o animal como um ser pensante complexo, e possam ser submetidas à comprovação experimental.
Raramente é possível descrever um padrão de comportamento após uma única observação. É necessário conhecer a gama de circunstancias em que o comportamento ocorre e também a gama de variações desse comportamento que podem ser executadas pelo animal. Pode ser necessário algum tempo para que as observações comecem a constituir um todo ordenado que revele alguma coisa sobre a causa do comportamento, suas funções e suas relações com outros padrões comportamentais do repertorio do animal. Entretanto, a experiência aumenta a facilidade para reconhecer mudanças sutis no comportamento e os que granjearam grandes reputações pelos seus trabalhos foram os observadores mais pacientes. O grande entomólogo Frances, Fabre, frequentemente sentava-se num mesmo lugar observando o comportamento de insetos, da madrugada ao entardecer, e as pessoas que passavam por ele julgavam que havia enlouquecido.
Há muitas técnicas para melhorar a mera observação visual, algumas muito dispendiosas e elaboradas, outras bastante simples. Esboços de comportamento, mesmo que sejam muito diagramáticos e rudimentares, permitem um começo de categorização do comportamento. Geralmente, é da maior utilidade ser capaz de reconhecer um determinado animal dentre outros. Frequentemente, pequenas variações de tamanho e coloração podem ser utilizadas para isso, mas pode ser necessário marcar o animal. Nesse caso, existem muitos métodos. Anilhas coloridas podem ser colocadas em patas de pássaros (embora essa pratica só seja permitida a pessoas licenciadas). Tintas à base de celulose aderem bem à maioria dos insetos, especialmente se seus corpos forem peludos. Se o tórax for marcado com pintas de três cores diferentes em arranjos diferentes, um grande numero de insetos pode ser identificado. Esse método foi empregado em abelhas por Ribbands, que ao invés de pintas usou certos símbolos semelhantes a letras, que podiam ser distinguidos mesmo que algum pedaço caísse ou fosse raspado. Peixes podem ser marcados removendo-se certas escamas ou “ferrados a frio” com uma barra de metal muito frio, e mamíferos, cortando-se-lhes um pedaço do pelo ou das unhas, mas esses são procedimentos que só podem ser empregados mediante licença ambiental.
A fotografia constitui um importante recurso para a analise do comportamento porque a câmera fornece um registro imparcial. Entretanto, mesmo esta recurso tem suas limitações, de vez que a câmera registra apenas o que acontece à sua frente. O ruído de uma filmadora pode perturbar os animais e a proximidade de uma câmera pode representar uma intrusão. Eibl-Eibsfeldt somente conseguiu estudar expressões faciais naturais em humanos quando apontava a câmera para outra direção e fotografava o sujeito sub-repticiamente com uma lente que o focalizava de outro ângulo.
Uma descrição escrita do comportamento pode ser feita sob a forma de taquigrafia ou de anotações. Quando se trata de contar as ocorrências de um padrão de comportamento, pode-se elaborar um formulário simples, no qual o observador faz marcas na coluna apropriada cada vez que o comportamento ocorre. O tempo é uma dimensão importante no comportamento e nem sempre é fácil ficar olhando para um relógio ao mesmo tempo em que se registra as observações. Isso pode ser superado fazendo-se registros ou marcas em um cilindro coberto por papel (como o cilindro de um quimógrafo) que gira com velocidade conhecida. Gravadores de fita cassete preenchem a mesma função e são fáceis de se usar no campo. Registros filmados ou gravados podem ser passados varias vezes, o que facilita a seleção de detalhes. O mesmo acontece com os registros em vídeo-tape, cada vez mais usados nos últimos anos, especialmente para estudar o comportamento de animais em cativeiro. Uma câmera de televisão em circuito fechado pode ser montada de modo permanente e sem causar perturbações, em uma jaula ou cercado; alem de não necessitar de um operador nas proximidades, introduz um mínimo de alteração.
Os gravadores de cassete tem uma utilidade restrita para o registro de muitos sons de animais porque geralmente gravam uma faixa muito limitada de freqüências e distorcem as freqüências que registram. Para um trabalho mais acurado, devem ser escolhidos gravadores que registrem em uma faixa de pelo menos 18 Khz e tenham um microfone de igual sensibilidade. Os microfones direcionais ajudam a eliminar o ruído de fundo e, no campo, a direcionalidade pode ser melhorada com o uso de um refletor parabólico (ou mesmo de um cone de fabricação caseira). As boas gravações podem ser analisadas em um espectrógrafo de sons, que lança em um gráfico as freqüências do som ao longo do tempo. Deve-se anotar adequadamente as circunstancias em que os sons foram gravados. As gravações podem ser tocadas para os animais, para ver quais são suas respostas e, assim, determinar a significação dos sons para eles.
1.3 O estudo experimental do comportamento
Na década de 1930 houve um grande interesse no comportamento de invertebrados, tais como caranguejos e asilos (inseto da família dos asilidios), sob focos de luz ou superfícies inclinadas, em condições controladas de laboratório. O complexo comportamento dos animais no campo, durante a corte e outras situações, era negligenciado e provavelmente desconhecido da maioria dos experimentadores. É importante conhecer o comportamento natural do animal no seu ambiente normal antes de analisar partes específicas do mesmo em laboratório, senão pode-se chegar a conclusões erradas. Condições de laboratório cuidadosamente controladas podem ser tão diferentes do ambiente normal do animal, que este pode ser impedido de exibir muitos tipos de comportamento ou não fazer absolutamente nada. Animais de sangue frio dependem da temperatura e exibem certos tipos de comportamento, como corte e alimentação, apenas quando sua temperatura corporal está dentro de uma certa faixa. Na maioria dos animais, esses tipos de comportamento estão, ainda, ligados à hora do dia. Algumas borboletas são ativas no campo apenas durante parte da manhã, outras durante a tarde. Os grilos começam a cantar mais intensamente no crepúsculo e os camundongos são muito mais ativos à noite. Não é nada confortável ficar acordado toda a noite, para observar o comportamento de camundongos de laboratório, mas, com auxilio de um controle de tempo, seus ciclos de luz e de atividade podem ser facilmente invertidos e os animais podem ser observados durante o dia, sob luz fraca.
Também é importante dar tempo para que um animal se familiarize com seu ambiente, a menos que se esteja pesquisando especificamente sua resposta a mudanças de condições. Por exemplo, quando peixes são introduzidos em um aquário novo, seu comportamento tende a se tornar mais variado e suas atitudes menos temerosas após um período de alguns dias. Muitos animais, inclusive ratos e camundongos, após explorarem suas gaiolas as cuidam como seus territórios e se comportam agressivamente em relação aos recém-chegados.
Nos experimentos sobre comportamento deve-se empregar controles ou examinar as situações de controle, como ocorre também no caso de outras abordagens experimentais. No estudo do comportamento, ciência significa medida, como em outras disciplinas. Nem sempre é fácil descobrir exatamente o que se deve medir. Se um animal repete uma atividade um certo numero de vezes e em seguida passa afazer alguma outra coisa por um certo tempo, as atividades podem ser agrupadas em “turnos” medindo-se sua duração e os intervalos entre eles. Se o comportamento que esta sendo examinado recorre frequentemente não precisa ser registrado continuamente, mas apenas durante (por exemplo) períodos de cinco minutos em cada hora. Outro método é registrar o que o animal esta fazendo, a intervalos regulares (por exemplo, a cada dez minutos). Os métodos de amostragem como esses podem simplificar bastante os experimentos, mas frequentemente os dados comportamentais exibem muita variabilidade. Por isso, de algum modo, a amplitude dessa variabilidade deve ser indicada nos gráficos e histogramas dos resultados.
A mera observação do comportamento não possibilita decidir quais foram os estímulos que o evocaram. Primeiro, porque não é possível ver todos os estímulos responsáveis por isso; segundo, porque as capacidades sensoriais dos animais podem ser muito diferentes das nossas próprias. As abelhas podem enxergar na faixa do ultravioleta e detectar luz polarizada, os pombos são capazes de perceber campos magnéticos pouco intensos, alguns peixes podem perceber campos elétricos, muitos animais podem ouvir ultrassons e alguns insetos respondem a produtos químicos que são inodoros para nós. Há três modos principais pelos quais se pode explicar as capacidades sensoriais dos animais. Medir as respostas de um animal a uma gama de modelos simples, começando com algum que prontamente elicie uma resposta de algum tipo, mudando em seguida de cor, forma ou o que quer que se esteja pesquisando. Treinar os animais a responder a um determinado estímulo, por exemplo, dando-lhe comida quando responde e depois verificando até onde podem discriminar este estimulo de uma variedade de outros similares, quando deve escolher. E, mais objetivamente, usar eletrodos para registrar os impulsos nervosos provenientes do órgão do sentido em estudo.
O próprio órgão sensorial Poe selecionar certos aspectos dos estímulos e não deixar passar ao sistema nervoso central (SNC) toda a informação contida neles. Desse modo, funciona como filtro e facilita a tarefa do SNC (Capitulo 3). Por exemplo, a fêmea do bicho-da-seda, Bombyx mori, produz um atrativo para os machos, conhecidos como bombicol. As sensilas das antenas dos machos são extremamente sensíveis ao bombicol e alguns produtos químicos de estrutura semelhante, mas não respondem a outros odores. Dessa forma, os impulsos nervosos originários dessas sensilas caminham ao longo dos nervos e tem apenas um significado para o SNC. Por outro lado, os órgãos sensoriais dos mamíferos filtram relativamente pouco, embora o façam, deixando a maior parte da avaliação para o cérebro, uma estrutura necessariamente muito mais complexa do que nos insetos. Dentre as influencias que afetam a natureza dos sinais eferentes que controlam a resposta do animal, e que devem ser levadas em conta na avaliação de dados experimentais, estão sua constituição genética, seu estado fisiológico atual (por exemplo, se suas gônadas estão produzindo ativamente hormônios) e sua experiência adquirida. Assim, raramente existe uma relação direta entre estímulo e resposta; há muitos fatores atuando entre o inicio e o final do processo comportamental observado.
1.4 Conceitos comportamentais
Os fundadores da chamada escola etológica do comportamento animal, Lorenz e Tinbergen, ajudaram a desenvolver uma extensa terminologia comportamental, onde separaram os conceitos de reflexo, comportamento e orientação, instinto e aprendizagem. Os reflexos são comumente considerados respostas automáticas simples que envolvem apenas parte do sistema nervoso e não o cérebro. Foram estudados detalhadamente pelo fisiólogo Sir Charles Sherrington, para quem o elemento mais simples do comportamento era um arco que incluía um nervo sensorial, talvez apenas um neurônio internucial e um neurônio motor. Na verdade, pode ser que tais reflexos simples ao existam senão em alguns invertebrados simples, pois reflexos como os de deglutição e respiração envolvem a atividade coordenada de muitos nervos e músculos. Os reflexos diferem de outras formas de comportamento, provavelmente, apenas por não sofrerem a atividade moduladora do cérebro. Lorenz diferenciou reflexo e instinto argumentando que este tem uma origem central inflexível (o padrão fixo de ação) que gera um tipo de energia nervosa que influencia o limiar para o comportamento. Ele diferenciou instinto e aprendizagem sustentando que os instintos eram inatos e não dependiam da experiência, enquanto que a aprendizagem era o oposto – comportamento totalmente adquirido como resultado da experiência do individuo. Ora, os padrões instintivos de comportamento não podem ser totalmente inflexíveis – mesmo que o animal esteja executando uma exibição estereotipada, ele precisa fazer ajustes posturais continuose continuar voltado para a direção certa. Assim, sugeriu-se que o padrão fixo de ação teria uma “capa” de reflexos e de movimentos de orientação.
Atualmente se observa que esses conceitos constituem distinções bastante artificiais. Cometeram-se erros supondo que o comportamento estereotipado específico era instintivo e, consequentemente, inato. O canto dos tentilhões pode ser descrito dessa forma, mas Thorpe demosntrou que os filhotes desse pássaro são capazes apenas de um canto rudimentar. Esse canto é modificado conforme os filhotes ouvem os pais por volta de seu primeiro ano de vida, permanecendo imutável daí em diante. Mesmo pássaros que podem ouvir apenas a própria voz apresentam canto ligeiramente melhor do que pássaros surdos. Uma variação considerável no padrão de canto ocorre com os picanços, Laniarius aethiopicus, entre os quais o macho e a fêmea de um casal cantam em dueto. Essa mesma variação ocorre no mainá indiano das montanhas e muitos membros da família dos papagaios são capazes de realizar feitos consideráveis de imitação vocal. No outro extremo da escala, o canto do junco americano parece não apresentar nenhum elemento adquirido. Assim, no que se refere ao canto dos pássaros, os padrões básicos são, em graus variáveis, susceptíveis a mudanças, por efeito de vários tipos de influencia ambiental, dependendo da espécie. Dizer que um canto é instintivo ou aprendido, sem evidência experimental, seria pré julgar a questão e provavelmente não seria correto sob quaisquer circunstancias, porque o comportamento, mais do que qualquer característica estrutural, não se desenvolve à parte do ambiente e sem o feedback do mesmo. O que se aplica ao canto de pássaros deve se aplicar a qualquer padrão comportamental.
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